Índia:
Suicídio de jovem pesquisador dalit gera onda de protestos contra discriminação
por castas
Luis A.
Gómez | Calcutá - 06/02/2016 - 08h00
Sem
terra, escola ou respeito, 'os intocáveis' são discriminados de todas as formas
e, na maior parte das vezes, impedidos de buscar qualquer ascensão
Na centenária cidade de
Hyderabad, antiga capital de reinos muçulmanos e hoje núcleo da indústria da
tecnología na Índia, na noite do dia 17 de janeiro Rohith Vemula decidiu
escrever suas últimas palavras. “Amava a ciência, as estrelas, a natureza, e
depois amava as pessoas sem saber que as pessoas se divorciaram faz muito tempo
da natureza”, escreveu o jovem doutorando da Universidade de Hyderabad. “O
valor de um homem foi reduzido à sua identidade imediata, à sua mais próxima
possibilidade [de ser]”. Rohith organizou suas coisas, se despediu pedindo não
perturbar seus amigos e inimigos e se enforcou no pequeno quarto da residência
estudantil onde um amigo estava lhe dando alojamento.
Reprodução/Facebook
Suicídio
de Rohith Vemula está ligado ao rigoroso sistema de castas indiano
Aos 26 anos, pobre e com seus
direitos como estudante (e a bolsa com a qual sustentava e apoiava sua mãe e
seu irmão mais novo) suspensos, Rohith não apenas queria escrever sobre
ciencia. “Como Carl Sagan”, queria mudar o mundo começando pelo seu entorno:
membro do que desde muitos milênios atrás se conhece na Índia como as castas
mais baixas, os intocáveis, o jovem era um conhecido ativista pelos direitos
daqueles que, como ele, são discriminados diariamente em todos os âmbitos da
vida pública do país.
Primeiro
trecho da carta deixada por Rohith
E sua morte começou a sacudir
esse país imenso, dividido e cheio de deuses e de religiões.
“Gente maltrapilha”, gente sem
direitos
Os dalit (ou “gente maltrapilha”,
como seria sua tradução direta do hindu) são, na verdade, um conglomerado de
grupos sociais, tradições e ofícios milenares que, segundo a religião hindu,
estão formados pelas pessoas que estão mais baixo na escala social, religiosa e
econômica, sem direito a nada: nem terra, nem escola, nem respeito. Ainda
assim, nessa rigidez hierárquica, o mais famoso entre eles, o Dr. B. D.
Ambedkar, foi o principal redator da Constituição indiana e um severo crítico
de Gandhi, com quem polemizou durante muitos anos. Para sua gente, é um herói
quase mítico.
Por isso, a grande maioria das
organizações dalit na Índia têm Ambedkar em algum lugar, no nome ou no
logotipo. Como a Associação de Estudantes Ambedkar (ou ASA), da Universidade de
Hyderabad, que Rohith Vemula liderou com entusiasmo durante um tempo para
ajudar estudantes como ele.
A vida de um estudante de uma
casta baixa nessa universidade nunca foi fácil. Pulyla Raju, que se suicidou em
2013 ao não poder avançar em seus estudos (perseguido por companheiros e
professores) ou Sunitha, que se suicidou grávida, em 2007, quando o jovem de
uma casta privilegiada que a seduzia se negou a se casar com ela por ser de
outra casta e zombou dela até depois da morte, sabiam bem disso. Assim como os
10 estudantes dalit que, nos anos 1980, foram suspensos por “contaminar” as
aulas e nunca mais puderam voltar a estudar.
Segundo
trecho da carta de Rohith
Da mesma forma que acontece em Délhi e Mumbai, os
estudantes dalit são discriminados sistematicamente na Universidade de
Hyderabad. Negam-lhes comer nos refeitórios das universidades (para não
“contaminar” os pratos e os copos), batem em seus companheiros de outras castas
e os professores, com boas maneiras, humilham-nos nas aulas explicando que o
conhecimento não está seu alcance, como revelou uma pesquisa do doutor Narayan
Sukumar, acadêmico da Universidade Jawaharlal Nehru, em Délhi, que fez seu
mestrado em Hyderabad.
É comum inscreverem contra eles
insultos nas paredes e no Facebook, como fez há alguns meses Susheel Kumar,
dirigente estudantil de uma casta alta e sobrinho de um conhecido político do
partido Bharatiya Janata, o partido do primeiro-ministro Narendra Modi. Os
insultos de Kumar não passaram despercebidos para Rohith Vemula e os membros da
ASA, que o confrontaram com um protesto. O covarde aceitou eliminar seus posts
e tudo pareceu voltar à aparente normalidade na Universidade de Hyderabad.
Mas, no dia 4 de agosto, Susheel
Kumar decidiu acusar os membros da ASA de agredi-lo e feri-lo. A denúncia teve
uma resposta imediata das autoridades universitárias, em particular do
vice-reitor Appa Rao. Os cinco estudantes dalit ativistas foram suspensos em agosto
de 2015 e a sua “vítima” seguiu sua rotina, mas Rohith e o seu grupo
protestaram até que a universidade formou uma comissão para investigar o caso.
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